ZAT Cinzenta: Troca de idéia com FÁBIO EMECÊ

Já faz um bom tempo desde o primeiro contato com o poeta, MC, escritor e professor de Língua Portuguesa: FÁBIO EMECÊ. Nascido em uma cidade do interior do Rio de Janeiro chamada Cabo Frio, Emecê permanece numa caminhada que acumula quase duas décadas de vivências relacionadas à cultura Hip Hop e ao universo subterrâneo.

Com letras ácidas e sinceras, abordando temas que instigam a permanência na linha de batalha cotidiana; o fortalecimento da afirmação da identidade e expressividade afrodescendente; os questionamentos acerca da estrutura racista/autoritária que tenta reger nossas vidas; as emoções/sentimentos de quem ousa à se questionar e tentar romper com essas amarras, Emecê é outra cabeça daquelas que fortalece à idéia do “FODA-SE O HYPE!“, mantendo os pés no chão e a idéia de TRANSFORMAÇÃO viva e ativa.

Entre nós, muitas foram as trocas de idéias, materiais relacionados às expressões culturais subterrâneas e produções autogestionadas. Agora a ZAT Cinzenta apresenta, de forma transcrita e através de uma troca de idéia realizada há um tempo, um pouquinho da caminhada e dos sentimentos escondidos por trás do Rap subterrâneo “cascudo e de adulto” de FÁBIO EMECÊ. 

ZATC: Salve, Emecê! Você se lembra de como foram as primeiras experiências ao se aproximar do movimento Hip Hop? 

EMECÊ: Então. As primeiras experiências foram ouvindo música na rádio. Eu gostava muito do que era colocado ali nas letras do Gabriel Pensador e tinha uma música do 2 Pac, a “Changes”, que tocava bastante na rádio nos anos 90 que me chamava muita atenção. Mas a experiência derradeira com o movimento mesmo foi quando eu fui estudar em outra cidade. Eu sou de uma cidade do interior do Rio de Janeiro que é Cabo Frio e eu fui estudar em uma outra cidade do interior que é Campos dos Goytacazes. Lá eu conheci mais à fundo o Hip Hop. Primeiro com um amigo que me mostrou os Racionais MCs. Gravou em uma fita K7 o “Sobrevivendo no Inferno”. Não o disco todo porque não dava, mas gravou grande parte do disco e aquilo me impactou bastante. Depois com um outro amigo que foi fazer um programa numa rádio pirata e me chamou pra fazer junto com ele. Era um programa de Rap e ali eu comecei à escutar, de fato, o Rap e entender as nuances e à partir disso começar à pesquisar e à estudar e à tudo mais. E depois eu fiz um programa de Rap sozinho em uma outra rádio pirata e tal. E assim: essa proposta organizativa que rolou foi quando eu voltei pra Cabo Frio quando o “Bandeira Negra” se formou e aí a gente vai conhecendo as outras pessoas que faziam o movimento na cidade também. Já tinha um movimento forte na periferia daqui que é o Jardim Esperança. E aí a gente começa à se organizar em coletivos, né? E aí tem vários momentos, várias fases, né? A gente começou com o coletivo Bandeira Negra. Depois veio o “Hip Hop Inter Rio” que é um coletivo que tenta abarcar outras cidades do interior do Rio, principalmente esse eixo litorâneo aqui. Depois do Hip Hop Inter Rio, que se findou, vem o “H2A – Hip Hop Ativista”. Depois do H2A, criou-se o “Faixa de Gazah”. Nessas criações de coletivos passamos por três gerações do Rap aqui da região. Eu sou da primeira geração do Rap aqui da região. E é isso, cada coletivo com suas nuances, suas particularidades, suas bandeiras. Seja defendendo só o Hip Hop e a organização em si, outro já tendo um recorte racial bem profundo, outro defendendo a produção autônoma periférica e assim vai!

ZATC: O que você sente sobre o que têm produzido atualmente?

EMECÊ: Independente de qualquer coisa, a gente tem que continuar produzindo. A gente tá numa época que a gente não tem palco. Esse Rap combativo, libertário, ou que aposta em outras estéticas além da que é colocada como estética que deve ser seguida. Não tem palco, né? Ou essa luta pelo palco é mais difícil. Então, a gente tem que continuar produzindo, colocando nossa proposta em jogo para que as pessoas que possam ouvir entendam isso de uma maneira mais profunda. Acho que a arte com profundidade precisa ser produzida, independente da audição ou de quem acessa. Tem muita coisa minha na internet. Eu coloco na rede todos os meus trampos pra quem quiser ouvir e baixar. Participo de um coletivo de artistas chamado “Muntu” que é formado por MCs com idéias e vivências diferenciadas que se juntam e fazem música junto com um BeatMaker (produtor/criador de beats/batidas/bases) que é o Dudu Foxx que é daqui da área, é daqui de Cabo Frio mesmo.

ZATC: Recentemente, no Brasil, a movimentação das peças no xadrez do autoritarismo tem gerado uma série de conflitos nas capitais e no interior. Seria massa se você comentasse sobre como é que tá esse lance nas ruas do Rio de Janeiro e o que é que você sente sobre a importância do movimento Hip Hop pra  articulação e mobilização da galera.

EMECÊ: Então. A gente tá vendo aí uma indução, um acirramento de humores diante daquilo que tá sendo colocado e as pessoas estão tendo que se posicionar, né? Mas, porra, a gente tá na luta também no momento em que algumas habilidades nossa estão sendo colocadas à prova. Eu acho que uma coisa que pra mim é gritante, até mesmo enquanto professor, é saber que esse manuseio do conhecimento, do argumento, do entendimento do mundo tá muito longe. Se existe um projeto político implícito de idiotização das massas, acho que a gente tá num momento que isso tá sendo bem explícito. Acho que a educação brasileira, quando ela se torna algo universal, acessível à todos, acho que existe um esvaziamento do ponto de vista de realmente se fomentar cabeças pensantes e isso foi proposital. Dá pra perceber. E aí você tem a capital com os acirramentos mais frequentes, pois existem maiores mobilizações e os interiores sofrem muito porque tudo acontece de maneira mais lenta. O acesso à determinados contextos, conceitos e ideias está sempre mais lento em relação à capital. Então, no interior, as coisas vão à reboque. O sistema democrático burguês, da forma que é apresentado no interior, ele deteriora toda a nossa malha de percepção e de acesso. Se existe uma educação precária na capital, no interior é três vezes mais precária. Saúde, mesma coisa. A acessibilidade à arte é bem mais precária. As pessoas acabam aceitando discursos que não tem muita complexidade. E o discurso autoritário não é complexo, é um discurso fácil de assimilar e não há direito à resposta ou contradição. Isso é uma merda. E assim: o Hip Hop… pode ser. Mas não pode ser colocado como elemento primordial porque é feito por pessoas. As pessoas é que tem que ter o acesso, o manuseio de determinadas ideias e lógicas e colocar isso no Hip Hop pra que seja uma ferramenta. Se as pessoas que fazem Hip Hop não tiverem acesso e não se preocuparem em ler e estudar e propor mudanças em si mesmas e em seu entendimento enquanto seres coletivos que precisam se movimentar em prol de um coletivo, o Hip Hop não vai refletir isso. É aí que entra o X da questão.

ZATC: Nesse espaço final da troca de ideia você pode ficar de boa pra comentar sobre o que quiser. Massa? Fábio, valeu pra participação. Muita força pros corres! Abraço.

EMECÊ: Então, pra fechar aí a proposta, o que eu posso dizer pras pessoas é que a gente tá num período de luta, como a gente sempre esteve, mas eu acho que agora as coisas estão sendo colocadas de maneira mais… contundentes, no sentido de dizer exatamente quem é quem. Nós sabemos quem aponta os fuzis e agora nós estamos descobrindo quem formula a diretriz. Chega de ingenuidade. Vamo encarar a coisa séria com preparo, com estrutura, com empenho e com estudo. Porque sem isso a gente já era! Já estamos em uma situação de desvantagem. Diante dessa situação de desvantagem a gente não vai estudar? Não vai se estruturar? Não vai se balizar? Não vai se preparar? Aí nem é preciso lutar, porque já perdeu. Então: vamo que vamo que a porrada é na moleira!

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